A Assembleia Nacional (do MPLA) votou hoje contra a alteração da ordem do dia pedida pelo grupo parlamentar da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, que pretendia apresentar um voto de protesto contra agressões à mulher de um jornalista.
Em causa estão os actos de agressão contra Ludmila Pinto, mulher do activista e jornalista angolano Cláudio Emanuel Pinto, da Rádio Despertar, ligada à UNITA.
O requerimento apresentado na sessão plenária da Assembleia Nacional foi recusado com 112 votos contra da bancada parlamentar do MPLA (seita no poder há 47 anos), 83 votos a favor da UNITA e duas abstenções do Partido de Renovação Social (PRS) e do Partido Humanista.
O grupo parlamentar da UNITA sublinha no documento que Ludmila Pinto é vítima de perseguição e três agressões físicas, nomeadamente ataques, por indivíduos não identificados, com objectos cortantes, a última das quais ocorrida na segunda-feira passada, “em plena luz do dia, na via pública, no espaço de dois meses”.
“Diante destes factos hediondos queremos saber a quem interessa o clima de terror e medo em Angola? A quem interessa intimidar e condicionar a família de um jornalista e a classe? Por que os órgãos competentes do Estado não agem, por que o SIC [Serviço de Investigação Criminal], a PGR [Procuradoria-Geral da República] e os Serviços de informação do Estado não actuam”, questiona o grupo parlamentar da UNITA no requerimento.
No documento, o grupo parlamentar da UNITA “exigiu (como se o MPLA alguma vez tenha dado provimento às suas “exigências”) do Presidente da República, da Assembleia Nacional e do poder judicial, uma postura de lealdade com os cidadãos e alinhada com a defesa dos interesses das pessoas, das famílias e empresas e, sobretudo, a defesa da vida e a salvaguarda dos direitos humanos fundamentais”.
“O voto de protesto da Assembleia Nacional é oportuno, urgente e necessário, pois constitui uma mensagem clara e inequívoca à sociedade de que o Estado está unido na defesa da paz social e que a Assembleia Nacional, enquanto órgão representativo de todos os angolanos, que exprime a vontade soberana do povo e exerce o poder legislativo do Estado, está solidária com os esforços do executivo em realizar a democracia e a justiça, com o sentimento geral da sociedade que não se conquista a justiça, nem a paz social, com recurso à violência gratuita ou à subversão da democracia e do Estado de direito”, expressa o grupo parlamentar da UNITA.
De acordo com o grupo parlamentar da UNITA, a Assembleia Nacional deve “condenar todos os actos criminosos que visam provocar um estado de terror no público em geral e nas pessoas ou indivíduos com fins inconfessos, em quaisquer circunstâncias, independentemente das considerações de ordem política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou de qualquer outra natureza que possam ser evocadas”.
QUANDO O GALO GOSTA DE SAPOS
Recorde-se que o presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, avisou em 2019 que o seu partido não ia engolir sapos e que estaria na linha da frente do combate por uma Angola para os cidadãos nem que, para isso, no limite, tenha de sair às ruas. Desde então os angolanos esperam para ver e, como é hábito, esperam sentados mas atentos.
No dia 6 de Dezembro de 2019, no programa Angola Fala Só da VoA com a participação de muitos ouvintes e internautas, Adalberto da Costa Júnior acusou o MPLA de manter um regime partidarizado, que nunca condenou a fraude eleitoral, que mantém controlada a comunicação social pública e que divide a riqueza do país entre seus dirigentes.
“Não vamos engolir sapos, não senhor”, reiterou o líder da oposição ante uma pergunta directa de um internauta, nomeadamente sobre a fraude eleitoral que, para Adalberto da Costa Júnior, “tem sido prática do regime”, como sempre “foi denunciado pela UNITA”.
Para o líder da UNITA, o partido no poder “acostumou-se a governar na vertical, em que decide no topo e todos obedecem” e, por isso, não quer as eleições autárquicas”.
“As autarquias colocam o poder na horizontal e o MPLA tem medo da horizontalidade do poder” porque “os cidadãos são ouvidos e participam na gestão” da sua região, do seu município.
Por isso, “as eleições terão de realizar-se em todo o país” e não de forma gradual como quer o MPLA e “a UNITA não abre mão disso”, reiterou o líder do principal partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista.
Nas grandes políticas, Adalberto da Costa Júnior apontou como prioridades a educação, saúde, agricultura, economia, “sempre em auscultação dos angolanos que têm noção da situação” do país e, “no limite sairemos às ruas”.
E por falar em engolir… sapos
Em 2016, o então líder da UNITA, Isaías Samakuva, afirmou que estava a “engolir muitos sapos” para preservar a paz no país, face às constantes provocações que disse visarem o partido. E o Folha 8 perguntou na altura: Finalmente? Ou apenas fogo-de-vista?
O então líder da UNITA foi um dos convidados da conferência nacional sobre Paz, Democracia e Direitos Humanos em Angola, organizada pela Associação Mãos Livres, o Fórum das Mulheres Jornalistas e a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD).
No painel sobre a visão dos partidos políticos na manutenção da paz e consolidação da democracia e dos direitos humanos em Angola, Isaías Samakuva defendeu que a promoção da paz tem muito a ver com os discursos.
“E nós notamos com insistência que há um discurso que dá a impressão que as pessoas têm saudades do conflito, da guerra, querem voltar à guerra”, disse Isaías Samakuva, sem citar nomes.
Segundo o político, sem querer fugir às responsabilidades ou culpas, considerou que diante de “um balanço justo verão que a UNITA até tem estado a engolir muitos sapos”.
“Temos sofrido provocações, humilhações e é a responsabilidade da manutenção da paz que nos faz calar e nos faz engolir esses sapos”, afirmou, salientando que os discursos da principal força política da oposição eram de apelo ao diálogo, à justiça e à manutenção da paz. O político disse ainda que era várias vezes criticado por não agir em muitos casos, mas preferia ficar calado e engolir os ditos sapos.
“Eu estou a ter receio quanto a isso, é que a situação tende a evoluir para um ponto em que nós que estamos a tentar fazer uma contenção enorme, podemos ser ultrapassados por aqueles que acham que nós somos moles e que não estamos a fazer nada e um dia aparece um aventureiro aí e depois tem seguidores e a situação fica muito complicada”, alertou.
O então presidente da UNITA considerou que a sociedade civil angolana devia conquistar e ocupar o seu próprio espaço, para ser digna de se afirmar como parceiro institucional do Estado, na garantia dos direitos humanos e em especial dos direitos económicos e sociais dos angolanos.
Samakuva defendeu também que a sociedade civil deve mesmo inventar novos estudos, projectos e campos de intervenção social para a afirmação da cidadania económica, social e cultural angolana.
Folha 8 com Lusa